Semana passada, tive a oportunidade de passar um dia em uma escola de necessidades especiais (TDAH, autismo, dificuldades fonoaudiológicas e de linguagem etc.) com crianças entre aproximadamente 11 e 16 anos aqui em London. Observação: aqui as escolas são integrais, geralmente, das 9h da manhã às 3:30h da tarde, com intervalo para almoço na escola).
Como professora, foi um tanto inevitável não notar e comparar Brasil (especificamente o Paraná, onde já atuei como professora) e Inglaterra, mais especificamente, London, onde os investimentos em educação e a própria estrutura e sistema escolar impacta consideravelmente no desenvolvimento da sociedade.
Por ter visitado uma escola pequena e de necessidades especiais, não posso levar como padrão escolar londrino. Mas já pude ter uma ideia e sofrer o choque, bastante absurdo, por sinal, em perceber o forte investimento em educação pública, algo bem distante da realidade brasileira.
Antes de tudo, é importante ressaltar que aqui todos possuem grandes responsabilidades: governo (com investimento na educação e deliberação de autonomia às escolas), gestão escolar (com a própria gestão, retorno ao governo e intervenções no processo educacional), professores (que avaliam e são avaliados, mas que possuem uma realidade bem diversa da enfrentada pelo magistrado brasileiro), alunos (cientes da construção e do peso de seus históricos escolares para a vida e com o respeito que já vem de casa), pais e/ou responsáveis (que não podem deixar seus filhos faltarem às escolas sem justificativa pautável, podendo responder criminalmente).
Ao contrário de Cambé e Londrina (Brasil), em escolas que atuei, em que mal os professores tinham acesso a uma TV de tubo laranja (ainda da época do governo de Requião), com 1 ou 2 projetos para a escola toda, acesso a computadores antigos e o básico de papelaria (muitas vezes fornecido pelos alunos na entrega de materiais no início do ano ou compras por parte dos próprios professores e equipe escolar), aqui todas as salas possuem 1 computador com acesso a internet, uma lousa digital/datashow para anotações e transmissão de conteúdos como vídeos e imagens (nada de giz e apagador!), armários com materiais de papelaria, impressões de atividades aos alunos todas em colorido, jogos educativos, cartazes por toda a sala e um ambiente de modo geral colorido.
Quem deu aula no Paraná com quase 40 alunos em 1 sala, assusta quando se depara com uma sala de até 12 alunos e ainda com direito a professor auxiliar, além do regente. Claro que essa quantidade de alunos também se deve a ser uma escola para alunos com necessidades especiais, mas em outras escolas, as turmas que possuem 30 alunos, normalmente, além do professor regente, há ainda uns 3 auxiliares.
As salas que também possuem câmeras para a segurança dos mestres e alunos, possuem algumas outras regras, como proibição de uso de celulares por todos envolvidos nas salas de aula, o famoso WARNING, que se trata de alertas de “chamadas” de atenção (no caso dessa escola, com 5 níveis, sendo que o último, denominado “detenção”, o aluno é advertido formalmente, com registro no histórico escolar, e como punição atividades extras. E ainda assim, se decorridas as detenções, a expulsão legal do aluno especificamente dessa escola).
Quanto à equipe escolar, nessa escola, os professores e a gestão escolar possuem diariamente 2 reuniões: uma de 30 minutos antes de entrar em sala, para que todos se informem sobre os conteúdos pragmáticos e demais atividades, e outra após as aulas, também de 30 minutos, para que sejam identificadas as problemáticas do dia e as dificuldades de aprendizagem dos alunos para posterior intervenção. Com isso, todos estão cientes e participantes de todo o processo.
Das turmas que assisti as aulas, observei excelentes conteúdos e debates, ficando claro que a ideia é construir alunos bem informados e críticos, capazes de expor suas próprias opiniões a respeito dos mais diversos assuntos, levando em conta, logicamente, o respeito aos outros humanos. Vi apenas em um dia:
- alunos de aproximadamente 14 anos, em uma sala de 6 alunos, estudando matemática aplicada, com exercícios de adição, subtração, multiplicação e divisão por meio de enigmas expostos no telão, atividades impressas, uso de lousas com canetão e apagador para uso individual (substituindo os cálculos em cadernos de brochura) e manuseio de dinheiro (cópias impressas de notas de pounds), diante de problemas que representam o cotidiano, como pagar contas e receber troco.
- alunos de cerca de 12 anos, em uma sala de 12 alunos, ou melhor, em um “laboratório culinário” (com direito a fogão e pia para uso dos alunos), estudando nutrição e processos relacionados à produção alimentícia, especificamente, vendo sobre o processo do leite, desde a fazenda até passar pelas indústrias e chegar ao mercado, como custos e tempo de processo, para que na aula seguinte cozinhem alguma receita com o uso desse produto.
- os mesmos alunos de 12 anos, lendo em voz alta alguns atos de “Romeu e Julieta”, cada um com seu personagem já predeterminado pelas professoras, após ser retomado um resumo do que já tinham visto sobre a obra e a crítica, especificamente, sobre a rivalidade entre as famílias dos protagonistas versus o amor.
- alunos de 16 anos, em uma sala com 6 alunos, na disciplina de religião, disciplina esta que estuda sobre todas as religiões, inclusive temas como intolerância religiosa e outras vertentes religiosas que influenciam na sociedade. Nesta aula, especificamente, os alunos estavam concluindo sobre Martin Luther King e abordando a questão de pena de morte, sobre ser a favor ou contra, com produção de folders e fazendo entrevistas sobre penas com os demais membros da escola.
Além disso, de modo geral, até em consideração ao quadro dos alunos, notei que os alunos são respeitosos, apesar de alguns entraves entre eles mesmos e por suas carências e deficiências. Muitas atividades eles fazem em grupos e há atividades fora de sala de aula, possibilitando o menor estresse entre as quatro paredes.
A escola, bastante pequena, com aproximadamente 50 alunos, possui uma média de 40 profissionais, dentre eles da gestão escolar e administrativa, professores e auxiliares, pedagogos, pessoal da limpeza, fonoaudiólogas (3) e psicológa (1). Ou seja, além de toda uma estrutura escolar, há um investimento no quadro de profissionais, se observarmos o número de profissionais e alunos. Além disso, constantemente, há cursos de aperfeiçoamento sobre a rotina escolar e intervenções pedagógicas.
Sim… Tudo é pago pelo governo… Com exceção de uniformes, os cursos aos professores, materiais aos alunos (livros e, em algumas fases, até o material escolar complementar, como canetas e cadernos), tecnologia e manutenção escolar, alimentação dos alunos… Trata-se de investimento para alcance de bons resultados, de qualidade de ensino, onde educação é nitidamente prioridade.
Enquanto isso, no Brasil, bate-se na tecla “Escolas sem partido”, escolas cada vez mais sucateadas, todas as problemáticas basicamente resumidas à figura do professor (resumindo a desvalorização desse profissional por toda a sociedade brasileira que pouco entende de educação), professores que atendem diariamente cerca de 200 crianças (se consideradas 5 turmas diferentes) e ainda sem auxiliar, crescente apoio ao “ensino à distância”, pais cada vez mais distantes do processo escolar e de suas responsabilidades, roubos de merenda escolar (vide SP), estrutura escolar deprimente (onde ar-condicionados, no Paraná, por exemplo, estão lá “enferrujando”, pois as escolas não tem capacidade elétrica para suportar tais instalações, bem como nem tem verba o suficiente de arcar com a conta de energia elétrica no fim do mês).
Paciência.
A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.
Darcy Ribeiro
Um comentário sobre “Educação em London: primeiras impressões”